segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Segurança nacional e crimes contra o Estado Democrático de Direito

 


O presente artigo traz, em suma, uma análise técnico-jurídica da revogação da Lei de Segurança Nacional e a criação dos crimes contra o Estado Democrático de Direito.

Em 2 de setembro de 2022, foi publicada a Lei 14.197/21 que revogou a Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83) criada durante a ditadura militar e o art. 39 da Lei das Contravenções Penais, porém, em contrapartida, o legislador criou uma série de crimes contra o Estado Democrático de Direito por meio da Lei 14.197/21, que entrou em vigor após 90 dias da data de sua publicação, ou seja, passou a vigorar em 1º de dezembro de 2022.

Perceba que o legislador nacional revogou uma lei da época da ditadura militar e criou vários crimes para substituir a legislação do período militar, sendo que os atuais crimes contra o Estado Democrático de Direto possuem sanções penais ainda mais graves do que as que eram previstas na legislação revogada.

Tecnicamente, criou-se uma legislação in malam partem que ocorre quando a lei nova traz um tratamento mais gravoso do que a anterior, sendo assim, na prática, estão ocorrendo várias prisões pelo Brasil com base nos tipos penais em vigor recentemente sob o argumento de defesa do Estado Democrático de Direito.

A Lei 14.197/2021 também acrescentou o Título XII na Parte Especial do Código Penal, que trata dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, do art. 359-I até o art. 359-R, portanto, são oito novas infrações penais com penas altas, visto que dos dez artigos foram vetados dois, alguns crimes com penas máximas que podem chegar a 12 e até 15 anos de reclusão.

Porém, vale destacar que, nas disposições comuns, o Art. 359-T prevê que: “Não constitui crime previsto neste Título a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais.” (grifo nosso)

Ante o exposto, conclui-se que não é crime fazer manifestação crítica aos poderes da república, nem é crime a atividade jornalística e a reivindicação de direitos por meio de passeatas, reuniões, aglomerações, greves ou de qualquer outra forma de manifestação política. Lembrando que todo o poder emana do povo, o que configura a soberania popular do Estado Democrático de Direito.

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segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Prazos para alteração das regras eleitorais



O artigo em tela traz um resumo sistemático dos prazos para alteração das regras eleitorais.

Preliminarmente, é cediço que o direito eleitoral possui seus princípios e regras peculiares, por isso, a Justiça Eleitoral é considerada especial.

Sabe-se também que não se pode alterar as regras eleitorais a bel talante, sem observância dos prazos legais e constitucionais, pois bem, a Resolução TSE nº 23.472/2016 regulamenta o processo de elaboração de instrução para a realização pelo Tribunal Superior Eleitoral de eleições ordinárias e dá outras providências.

A dita Resolução prevê que propostas de alterações das resoluções do TSE, que podem ser sugeridas pelos partidos políticos, terão tramitação prioritária no Tribunal, desde que apresentadas até 90 dias antes do período das convenções partidárias para a escolha de candidatos e sejam subscritas por deputados e senadores que representem a maioria das respectivas Casas.

Verifica-se claramente a existência de prazos a serem obedecidos e que estão expressos no art. 2º da Resolução em comento, a saber:


“As instruções para regulamentação das eleições ordinárias serão editadas em caráter permanente e somente poderão ser alteradas nas seguintes hipóteses:

I - reconhecimento da ilegalidade ou inconstitucionalidade de dispositivo da instrução pelo próprio Tribunal Superior ou pelo Supremo Tribunal Federal;

II - análise da constitucionalidade de dispositivo legal pelo Supremo Tribunal Federal;

III - superveniência de Lei ou Emenda Constitucional que tenha aplicação para as eleições reguladas pelas instruções;”


O § 1º do art. 2º da aludida Resolução dispõe que as alterações de que tratam os incisos I, II e III DEVERÃO ser editadas ATÉ O DIA 5 DE MARÇO DO ANO DA ELEIÇÃO e não poderão restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas na legislação eleitoral (Lei 9.504/97). (grifo nosso)


Ainda de acordo com a resolução em análise, há o prazo para que as alterações das regras eleitorais entrem em vigor, conforme se vê nos seguintes dispositivos:


“Art. 5º A modificação da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e as alterações de que tratam o inciso V do art. 2º desta Resolução (em decorrência da modificação da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal sobre matéria eleitoral) entrarão em vigor na data de sua publicação, NÃO SE APLICANDO à eleição que ocorra ATÉ UM ANO da data de sua vigência(CF, art. 16). (grifo nosso)

§ 1º O disposto neste artigo e em seus parágrafos não obsta que o Tribunal, a qualquer tempo, altere a sua jurisprudência para as eleições que se realizarem APÓS UM ANO, contado da data da deliberação final do Plenário.” (grifo nosso)


Destarte, conclui-se que a legislação eleitoral é clara no sentido de não autorizar edição de resoluções, regulamentações ou quaisquer alterações nas regras eleitorais sem a observância dos prazos sobreditos, desse modo, qualquer inovação ou alteração na lei eleitoral fora dos casos supramencionados é considerada ilegal e inconstitucional.


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sexta-feira, 30 de setembro de 2022

ROL DOS CRIMES COMUNS QUE PODEM SER CONEXOS AOS CRIMES ELEITORAIS



O presente artigo busca esclarecer que não são todos os crimes comuns que podem fazer conexão com os crimes eleitorais.

Preliminarmente, convém destacar que dentro do sistema judicial brasileiro existem as justiças especiais, quais sejam, eleitoral, militar e trabalhista, são aquelas que possuem regimentos próprios e tribunais específicos, além de possuírem normas jurídicas especiais, portanto, o TSE - Tribunal Superior Eleitoral – é o órgão máximo da justiça eleitoral, seguindo a mesma lógica do TST para a justiça do trabalho e do STM para a justiça militar.

 

Nessa linha, em abril do corrente ano, o TSE publicou a Resolução nº 23.691/2022 que descreve o rol de crimes comuns que podem ser conexos aos crimes eleitorais e, desse modo, em razão do princípio da especialidade, atraem a competência para serem processados e julgados pela Justiça Eleitoral, mesmo se tratando de crimes comuns.

 

A referida resolução dispõe que são crimes comuns conexos aos crimes eleitorais: peculato; concussão; advocacia administrativa; tráfico de influência; corrupção ativa e passiva; crimes contra o Sistema Financeiro Nacional; lavagem ou ocultação de bens, direitos ou valores; organização criminosa; associação criminosa e crimes praticados por milícias privadas que abranjam mais de uma zona eleitoral.

 

Percebe-se claramente que muitos crimes comuns não podem ser conexos com crimes eleitorais, a título de exemplo, se alguém for flagrado comprando votos e portando ilegalmente arma de fogo, este crime de porte ilegal não será processado e julgado pela Justiça Eleitoral, embora tenha sido cometido no mesmo contexto fático quando do flagrante do crime eleitoral.

 

O exemplo sobredito deixa evidente que crimes comuns como receptação, apropriação indébita, estelionato, furto, dano doloso, roubo, homicídio, latrocínio, tráfico de drogas, tráfico de pessoas, sequestro, extorsão, estupro, dentre outras dezenas de crimes comuns não podem fazer conexão com crimes eleitorais, esclarecendo que se alguém for flagrado transportando eleitores sem a devida autorização em um veículo com registro de roubo/furto estará incorrendo em crime eleitoral e crime de receptação, mas essa receptação será processada e julgada pela justiça comum estadual porque não se encontra no rol taxativo da Resolução nº 23.691/2022 do TSE.


Destarte, as zonas eleitorais dos respectivos TRE’s são competentes para processar e julgar inquéritos policiais, procedimentos preparatórios, ações penais, medidas cautelares ou incidentais, autos de prisão em flagrante delito e respectivas audiências de custódia, mandados de segurança, habeas corpus, pedidos de colaboração premiada e de cooperação jurídica em matéria penal, dentre outros, quando qualquer dos crimes comuns elencados na aludida resolução tiver conexão com pelo menos um crime eleitoral.

 

Por fim, vale destacar que caberá ainda a execução das sentenças penais ao juiz eleitoral da zona que proferiu a condenação, com exceção das sentenças que aplicarem pena privativa de liberdade, ou seja, pena de prisão, pois esta deve ser cumprida pela Vara de Execuções Penais da Justiça Estadual do local onde ocorreu o fato.

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Não existe crime de fake news no Brasil

 

O presente artigo dispõe sobre a legislação penal brasileira que coíbe notícias falsas e os respectivos crimes, bem como demonstra de forma técnica não existir crime de fake news no Brasil até a presente data.

            É cediço que a Lei nº 13.834/2019 alterou a Lei nº 4.737/1965 (Código Eleitoral) para tipificar o crime de denunciação caluniosa quando cometido com a finalidade eleitoral, todavia, até a presente data não existe no ordenamento jurídico penal brasileiro nenhum tipo penal que descreva o que é fake news, ou seja, não há no Brasil crime denominado fake news, embora haja vários tipos penais que coíbem condutas sobre notícia falsa há muitos anos no Código Penal.

            Por exemplo, tem-se os crimes contra a honra: calúnia, difamação e injúria, previstos no Código Penal, mas não tem o crime de fake news, a saber:

        “Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

        Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

        § 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.

        § 2º - É punível a calúnia contra os mortos. (...)

        Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

        Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

        Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

        Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.(...)

        § 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:

        Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

        § 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:

        Pena - reclusão de um a três anos e multa.       

        Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:

        I - contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro;

        II - contra funcionário público, em razão de suas funções, ou contra os Presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal;

        III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.

        IV - contra criança, adolescente, pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou pessoa com deficiência, exceto na hipótese prevista no § 3º do art. 140 deste Código.

        § 1º - Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro.             

       § 2º Se o crime é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das REDES SOCIAIS da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena.” (grifo nosso)

            Enquanto outros diversos crimes estão previstos no Código Eleitoral, a saber:

– Art. 323. Divulgar, na propaganda, fatos inverídicos, em relação a partidos ou candidatos, e capazes de exercerem influência perante o eleitorado.

Pena: detenção de dois meses a um ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa. A pena é agravada se o crime for cometido pela imprensa, rádio ou televisão.

– Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime.

Pena: detenção de seis meses a dois anos, e pagamento de 10 a 40 dias-multa.

– Art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação.

Pena: detenção de três meses a um ano, e pagamento de 5 a 30 dias-multa.

Art. 326. Injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro.

Pena: detenção de até seis meses, ou pagamento de 30 a 60 dias-multa.

            Ademais, vale frisar que o Código Penal também prevê os delitos de comunicação falsa de crime e denunciação caluniosa (arts. 340 e 339, do CP), ambos envolvem notícia falsa sobre crime que sabe ser inexistente ou quando o denunciante dá causa à investigação contra pessoa que sabe ser inocente.

            Uma das consequências eleitorais para o candidato pode ser a perda do mandato, se eleito, caso seja comprovado que o mesmo divulgou fake news durante a campanha. Frise-se que não importa se a informação é verdadeira, pois se chegar a ofender a honra de alguém, a pessoa que divulgou ou compartilhou poderá responder por algum dos crimes acima mencionados.

            Há de se reconhecer que não basta apenas criar crimes ou majorar penas a fim de atender anseios da sociedade ou repercussão da mídia nacional, haja vista se o legislador agir dessa forma estará criando o chamado direito penal simbólico, que não é o melhor caminho para combater falsas notícias, visto que demanda uma reposta rápida do Congresso Nacional na elaboração de leis sem o tempo necessário de discussão e aprofundamento na matéria, muitas vezes sem a participação popular, daí acaba por editar ou alterar leis que posteriormente podem tornar-se ineficazes e até ser declaradas inconstitucionais.

            Sabe-se ainda que o Tribunal Superior Eleitoral possui parceria com plataformas digitais para evitar a propagação de fake news nesse período eleitoral. Convém esclarecer que outro problema surge quando a falsa notícia não ataca pessoa determinada, neste caso, não há previsão de crime na legislação brasileira, uma vez que não há pessoa específica sendo atacada pela informação inverídica.

            Já no Congresso Nacional estão em trâmite projetos que podem melhorar essa problemática das fake news no Brasil, porém, toda e qualquer legislação que pretenda mitigar a liberdade de expressão gera um sério risco à democracia.

            Ante o exposto, uma medida eficaz seria realizar campanhas educativas para evitar que pessoas repostem informações via redes sociais, sem pesquisar antes o conteúdo da notícia, porém, aqui reside outro problema, pois quais sites da internet podem ser confiáveis? A mídia tradicional? Sites de pesquisa como o google e similares? Rádio, jornal, revistas e televisão? Especialistas técnicos na notícia pesquisada? Ainda que a notícia seja verdadeira é preciso observar se o compartilhamento da informação não vai atingir a honra de alguém, porém, até a presente data não existe o crime específico de fake news no ordenamento jurídico pátrio.

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terça-feira, 26 de julho de 2022

Efeito vinculante das decisões do STF não atinge a função típica do Legislativo

 

O presente artigo dispõe de forma genérica e resumida sobre o efeito vinculante das decisões do STF que não vincula o Poder Legislativo.

O efeito vinculante de decisões proferidas pelo STF não alcança o Poder Legislativo, que tem como função precípua a de legislar, podendo editar lei com conteúdo idêntico ao que foi declarado inconstitucional ou criar nova lei com semelhante conteúdo tido como não constitucional.

Pois, além de editar e criar leis, apenas o Congresso Nacional pode aprovar emendas à Constituição, por isso, o legislador federal tem a capacidade de interpretar e alterar às normas constitucionais, não estando vinculado às decisões do Supremo.

Ademais, o efeito sobredito diz respeito a qualquer espécie de decisão ou acórdão da Suprema Corte, inclusive, súmulas vinculantes e declarações de inconstitucionalidade em sede de controle concentrado, pois estas também não vinculam o legislador, ou seja, na âmbito da União, Deputados Federais e Senadores, na sua função típica de legislar.

Cabe ressaltar que o fundamento jurídico encontra-se na própria Constituição da República Federativa do Brasil, previsto nos arts. 102, §2º, e 103-A, onde consta que o efeito vinculante é destinado ao Poder Judiciário e à Administração Pública, portanto, exclui-se da vinculação o Poder Legislativo nas três esferas, federal, estadual e municipal, exigindo assim novos argumentos em caso de apreciação de inconstitucionalidade de nova norma editada ou criada pelo legislador.

Nessa esteira, não se deve esquecer de mencionar o ativismo judicial e a função contramajoritária, em suma, o ativismo está ligado à participação mais intensa do Judiciário na concretização dos valores constitucionais, invadindo o espaço de atuação dos outros dois Poderes, geralmente, não há conflito entre os mesmos, mas ocupação de espaços vazios deixados pelo Legislativo e Executivo.

Enquanto a função contramajoritária se revela no fato de os ministros das cortes superiores, não eleitos pelo voto popular, poderem fazer suas interpretações da Constituição acima da interpretação que foi feita pelos deputados e senadores, que são agentes políticos, eleitos e representantes do povo, portanto, diz-se contramajoritária porque contraria a maioria ou a vontade popular.

Destarte, o Poder Legislativo brasileiro deve se manter firme e atento às demandas sociais e ao cumprimento da sua função típica, uma vez que a função legislativa não invade a competência dos outros dois Poderes da República, mesmo contrariando decisões vinculantes do STF, uma vez que o controle judicial incide apenas sobre os limites do poder de reforma previstos no art. 60, CF, outrossim, em tese, somente a vontade do legislador representa a vontade do povo, pois este é o legítimo detentor do poder.


segunda-feira, 4 de julho de 2022

A teoria pluralista e o aborto no Brasil


 

O presente artigo cuida da teoria pluralista adotada pelo Código Penal brasileiro, excepcionalmente, para responsabilizar no âmbito penal a gestante e o provocador do aborto conforme o ordenamento jurídico pátrio.

A teoria pluralista, embora não adotada como regra, está prevista de forma excepcional no Código Penal, como exemplo, tem-se o crime de aborto praticado por terceiro com o consentimento da gestante, neste caso, tanto a gestante quanto a pessoa que faz o aborto concorrem para o mesmo resultado, que é a morte do feto ou embrião, pois ambos ceifaram uma vida intrauterina.

De acordo com a teoria pluralista, que é uma das três teorias estudadas no concurso de pessoas, para cada um dos agentes se atribui conduta, elemento psicológico e resultado, razão pela qual existem crimes autônomos cominados individualmente, desse modo, haverá tantos delitos quantos forem os agentes que concorrerem para o mesmo resultado.

Então, a gestante que consentir o aborto responde pelo crime do art. 124, CP, enquanto o terceiro provocador responde pelo delito do art. 126, CP, respectivamente, com penas de detenção de um a três anos para a gestante e de reclusão de um a quatro anos para o provocador. Ademais, o tipo penal do art. 124, além de punir a gestante pelo consentimento do aborto, também pune o auto-aborto, que é feito pela própria gestante sem a participação de terceiro.

Entretanto, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência, a pena para o provocador é a do art. 125, CP, com reclusão de três a dez anos.

Frise-se que a doutrina majoritária defende que o início da vida intrauterina acontece com a fixação do óvulo fecundado na parede do útero materno, a partir de então o direito penal passa a proteger a vida do feto ou embrião, por isso, o ordenamento jurídico brasileiro criminaliza o aborto.

Nos últimos dias, o tema aborto foi bastante discutido a nível mundial, com maior ênfase no Brasil e nos Estados Unidos, porém, o presente artigo se restringe somente à legislação brasileira.

Por outro lado, o Código Penal dispõe em seu art. 128 sobre excludentes específicas, pois esse dispositivo trata de duas hipóteses de excludentes de ilicitude aplicáveis somente para o aborto, visto que o aborto é autorizado: quando não há outro meio de salvar a vida da gestante (art. 128, I), sendo cosiderada uma modalidade especial de estado de necessidade; ou, quando a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, se for incapaz, de seu representante legal (art. 128, II), que é considerada uma forma especial de exercício regular de direito, portanto, equivalem às excludentes do art. 23, CP.

Ante o exposto, destaque-se que nenhum direito é absoluto, inclusive, o direito à vida, destarte, há doutrina no sentido contrário que defende precipuamente a vida do feto ou embrião, pois não existe direito anterior à vida intrauterina, visto que o direito à vida da gestante pressupõe que a própria mulher só possui direitos porque antes ela teve o direito garantido quando ainda estava no ventre de sua genitora.

quinta-feira, 21 de abril de 2022

O indulto individual ou graça e suas consequências jurídicas no caso do deputado Daniel Silveira

 


O presente artigo trata do indulto, cuja concessão é de competência privativa constitucional do Presidente da República, conforme preceitua o art. 84, XII, da CF, bem como cuida das suas consequências jurídicas no caso do deputado Daniel Silveira.

Antes de adentrar nas consequências do indulto, convém destacar que o instituto jurídico em comento é causa de extinção da punibilidade, prevista expressamente no art. 107, II, do Código Penal, ou seja, extingue a pena do condenado, também só pode ser concedido por decreto presidencial ou por delegação e pode indicar ou não os nomes dos beneficiários, portanto, pode ser coletivo ou individual, neste caso, quando é individual também é chamado graça.

O mencionado inciso XII do art. 84, da CF, também prevê a possibilidade de comutar penas, ou seja, trocar penas mais graves por penas menos graves, neste caso, é chamado indulto parcial.

Embora o artigo 84, XII, da CF, faça menção apenas ao termo indulto, compreende-se que a graça é um indulto individual, pois a graça é concedida individualmente a uma pessoa específica, sendo que o indulto é concedido coletivamente a fatos determinados pelo Presidente da República.

É cediço que a lei ordinária não pode restringir o poder constitucional do Presidente da República de conceder indulto, haja vista o próprio STF ter fixado esse entendimento no HC 81565.

Além da previsão constitucional já mencionada, o indulto também está previsto na parte geral do Código Penal como causa de extinção da punibilidade no rol exemplificativo do art. 107, portanto, suas consequências podem acontecer em dois momentos, a saber:

1) extinção da pretensão punitiva quando a graça ou indulto individual é concedido antes de transitada em julgada a sentença condenatória, v.g., é o caso do deputado Daniel Silveira, cujo indulto individual ou graça foi concedido antes do trânsito em julgado, destarte, apaga todos os efeitos da sentença condenatória já proferida pelo STF, visto que a pena não será cumprida, nem irá gerar reincidência, nem maus antecedentes, tampouco obrigação de reparar o dano, ou seja, não resta nenhum efeito penal ou extrapenal da condenação; 2) extinção da pretensão executória quando a graça ou indulto individual é concedido depois do trânsito em julgado da sentença condenatória para ambas as partes, defesa e acusação, ou seja, quando não cabe mais recurso, mesmo assim, o condenado não irá cumprir a pena, pois apaga somente a pena, efeito principal da condenação, mas permanece os demais efeitos da condenação.

As consequências jurídicas concernentes à extinção da pretensão punitiva e à extinção da pretensão executória, acima apresentadas, são aplicadas a todas as causas extintivas da punibilidade, não somente à anistia, graça ou indulto.

Para melhor compreensão, exemplificando, no caso concreto do deputado Daniel Silveira, a graça ou indulto individual concedido pelo Chefe do Executivo Federal aconteceu antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, sendo assim, como foi concedido antes da sentença irrecorrível, ocorre a extinção da pretensão punitiva que se aplica para cessar todos os efeitos penais e extrapenais da condenação.

Ademais, no julgamento do mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5874, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade do decreto de indulto natalino de 2017 e o direito de o chefe do Poder Executivo Federal, dentro das hipóteses legais, editar decreto concedendo o benefício.

Frise-se que o Código de Processo Penal trata do processamento da graça, do indulto e da anistia no Capítulo I do Título IV, inclusive, os artigos 734 e 738 do CPP dispõem que o Presidente da República tem a faculdade de conceder a graça espontaneamente e, uma vez concedida, o juiz declarará extinta a pena ou as penas, a saber: “Art. 734.  A graça poderá ser provocada por petição do condenado, de qualquer pessoa do povo, do Conselho Penitenciário, ou do Ministério Público, ressalvada, entretanto, ao Presidente da República, a faculdade de concedê-la espontaneamente” e “Art. 738.  Concedida a graça e junta aos autos cópia do decreto, o juiz declarará extinta a pena ou penas, ou ajustará a execução aos termos do decreto, no caso de redução ou comutação de pena.” (grifo nosso)

Ante o exposto, a graça ou indulto individual concedido ao referido deputado é totalmente constitucional, assim o respectivo decreto presidencial deve ser cumprido na íntegra, uma vez que se trata de competência privativa do Presidente da República expressa na Constituição da República Federativa do Brasil, bem como é causa extintiva da punibilidade expressa no Código Penal.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

A guerra entre Rússia e Ucrânia e a competência da ONU

O presente artigo trata, resumidamente, da guerra entre Rússia e Ucrânia, da Carta das Nações Unidas e da competência do Conselho de Segurança da ONU na resolução do conflito em comento.

Desde a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945, após a 2ª guerra mundial, a Assembleia Geral da ONU se reuniu em sessão especial de emergência pela 11ª vez nesta segunda-feira, 28/02/2022, para debater o conflito entre Ucrânia e Rússia a fim de buscar o cessar fogo e garantir a paz entre as nações que estão em guerra neste momento.

É sabido que a ONU conta hoje com 193 países-membros e que a competência para a resolução do atual conflito é do Conselho de Segurança da ONU, visto que é o único órgão internacional capaz de tomar decisões obrigatórias para os 193 membros da ONU, o qual é composto por 15 países membros, sendo cinco membros permanentes, a saber: Estados Unidos, Rússia, França, Reino Unido e China; e 10 não-permanentes, os quais são eleitos anualmente para mandatos de dois anos, a saber: África do Sul (2020), Alemanha (2020), Bélgica (2020), Costa do Marfim (2019), Guiné Equatorial (2019), Indonésia (2020), Kuwait (2019), Peru (2019), Polônia (2019), República Dominicana (2020).

Destarte, percebe-se claramente que, atualmente, o Brasil não faz parte do Conselho de Segurança da ONU, embora seja signatário da Carta da ONU que é o tratado internacional que estabeleceu as Nações Unidas, o mencionado tratado foi elaborado por representantes de 50 países presentes à Conferência sobre Organização Internacional e assinado em 26 de junho de 1945.

Entretanto, as Nações Unidas passaram a existir oficialmente em 24 de outubro de 1945, após a ratificação da Carta por China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia (ex-União Soviética), bem como pela maioria dos signatários. Ressalte-se que a Ucrânia também foi membro fundador das Nações Unidas desde 1945.

A Carta da ONU é o documento mais importante da Organização, conforme previsto em seu artigo 103: “No caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas, em virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta”.

Então, tendo a Rússia ratificado o aludido tratado internacional, firmando compromisso e obrigações perante à ONU, não poderia de forma alguma invadir território estrangeiro por conta própria, deliberadamente, invadindo o país vizinho sob o pretexto de que parte da população da Ucrânia não queria fazer parte da OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte, também conhecida como Aliança Atlântica, que foi fundada em 1949 com a finalidade precípua de atuar como obstáculo à ameaça de expansão soviética na Europa, bem como os Estados Unidos têm a OTAN como um instrumento para impedir o ressurgimento de tendências nacionalistas e promover a integração política na Europa.

Porém, nesta segunda-feira, 28/02/2022, o Presidente da Ucrânia fez um pedido oficial para ingressar na União Europeia, e, consequentemente, fazer parte da OTAN, acirrando os ânimos do conflito com a Rússia.

Frise-se que, desde a origem da ONU, a Rússia e a Ucrânia são signatárias da Carta pela qual se obrigaram, com os demais países signatários, a praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos.

Sendo assim, todos os países-membros têm interesse no fim do conflito entre Rússia e Ucrânia, principalmente, os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, com exceção da Rússia que está envolvida no conflito, visto que estando a Rússia em guerra, restam apenas 04 (quatro) membros permanentes no Conselho de Segurança para deliberar sobre a resolução desse conflito, pois o Conselho é o único órgão internacional capaz de tomar decisões obrigatórias para os 193 membros da ONU, inclusive, para garantir a execução de suas decisões o Conselho de Segurança pode autorizar intervenção militar em qualquer dos 193 países-membros, o que inclui a possibilidade jurídica de intervenção militar na Rússia, caso venha ser essa a resolução do Conselho de Segurança da ONU.


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