terça-feira, 26 de julho de 2022

Efeito vinculante das decisões do STF não atinge a função típica do Legislativo

 

O presente artigo dispõe de forma genérica e resumida sobre o efeito vinculante das decisões do STF que não vincula o Poder Legislativo.

O efeito vinculante de decisões proferidas pelo STF não alcança o Poder Legislativo, que tem como função precípua a de legislar, podendo editar lei com conteúdo idêntico ao que foi declarado inconstitucional ou criar nova lei com semelhante conteúdo tido como não constitucional.

Pois, além de editar e criar leis, apenas o Congresso Nacional pode aprovar emendas à Constituição, por isso, o legislador federal tem a capacidade de interpretar e alterar às normas constitucionais, não estando vinculado às decisões do Supremo.

Ademais, o efeito sobredito diz respeito a qualquer espécie de decisão ou acórdão da Suprema Corte, inclusive, súmulas vinculantes e declarações de inconstitucionalidade em sede de controle concentrado, pois estas também não vinculam o legislador, ou seja, na âmbito da União, Deputados Federais e Senadores, na sua função típica de legislar.

Cabe ressaltar que o fundamento jurídico encontra-se na própria Constituição da República Federativa do Brasil, previsto nos arts. 102, §2º, e 103-A, onde consta que o efeito vinculante é destinado ao Poder Judiciário e à Administração Pública, portanto, exclui-se da vinculação o Poder Legislativo nas três esferas, federal, estadual e municipal, exigindo assim novos argumentos em caso de apreciação de inconstitucionalidade de nova norma editada ou criada pelo legislador.

Nessa esteira, não se deve esquecer de mencionar o ativismo judicial e a função contramajoritária, em suma, o ativismo está ligado à participação mais intensa do Judiciário na concretização dos valores constitucionais, invadindo o espaço de atuação dos outros dois Poderes, geralmente, não há conflito entre os mesmos, mas ocupação de espaços vazios deixados pelo Legislativo e Executivo.

Enquanto a função contramajoritária se revela no fato de os ministros das cortes superiores, não eleitos pelo voto popular, poderem fazer suas interpretações da Constituição acima da interpretação que foi feita pelos deputados e senadores, que são agentes políticos, eleitos e representantes do povo, portanto, diz-se contramajoritária porque contraria a maioria ou a vontade popular.

Destarte, o Poder Legislativo brasileiro deve se manter firme e atento às demandas sociais e ao cumprimento da sua função típica, uma vez que a função legislativa não invade a competência dos outros dois Poderes da República, mesmo contrariando decisões vinculantes do STF, uma vez que o controle judicial incide apenas sobre os limites do poder de reforma previstos no art. 60, CF, outrossim, em tese, somente a vontade do legislador representa a vontade do povo, pois este é o legítimo detentor do poder.


segunda-feira, 4 de julho de 2022

A teoria pluralista e o aborto no Brasil


 

O presente artigo cuida da teoria pluralista adotada pelo Código Penal brasileiro, excepcionalmente, para responsabilizar no âmbito penal a gestante e o provocador do aborto conforme o ordenamento jurídico pátrio.

A teoria pluralista, embora não adotada como regra, está prevista de forma excepcional no Código Penal, como exemplo, tem-se o crime de aborto praticado por terceiro com o consentimento da gestante, neste caso, tanto a gestante quanto a pessoa que faz o aborto concorrem para o mesmo resultado, que é a morte do feto ou embrião, pois ambos ceifaram uma vida intrauterina.

De acordo com a teoria pluralista, que é uma das três teorias estudadas no concurso de pessoas, para cada um dos agentes se atribui conduta, elemento psicológico e resultado, razão pela qual existem crimes autônomos cominados individualmente, desse modo, haverá tantos delitos quantos forem os agentes que concorrerem para o mesmo resultado.

Então, a gestante que consentir o aborto responde pelo crime do art. 124, CP, enquanto o terceiro provocador responde pelo delito do art. 126, CP, respectivamente, com penas de detenção de um a três anos para a gestante e de reclusão de um a quatro anos para o provocador. Ademais, o tipo penal do art. 124, além de punir a gestante pelo consentimento do aborto, também pune o auto-aborto, que é feito pela própria gestante sem a participação de terceiro.

Entretanto, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência, a pena para o provocador é a do art. 125, CP, com reclusão de três a dez anos.

Frise-se que a doutrina majoritária defende que o início da vida intrauterina acontece com a fixação do óvulo fecundado na parede do útero materno, a partir de então o direito penal passa a proteger a vida do feto ou embrião, por isso, o ordenamento jurídico brasileiro criminaliza o aborto.

Nos últimos dias, o tema aborto foi bastante discutido a nível mundial, com maior ênfase no Brasil e nos Estados Unidos, porém, o presente artigo se restringe somente à legislação brasileira.

Por outro lado, o Código Penal dispõe em seu art. 128 sobre excludentes específicas, pois esse dispositivo trata de duas hipóteses de excludentes de ilicitude aplicáveis somente para o aborto, visto que o aborto é autorizado: quando não há outro meio de salvar a vida da gestante (art. 128, I), sendo cosiderada uma modalidade especial de estado de necessidade; ou, quando a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, se for incapaz, de seu representante legal (art. 128, II), que é considerada uma forma especial de exercício regular de direito, portanto, equivalem às excludentes do art. 23, CP.

Ante o exposto, destaque-se que nenhum direito é absoluto, inclusive, o direito à vida, destarte, há doutrina no sentido contrário que defende precipuamente a vida do feto ou embrião, pois não existe direito anterior à vida intrauterina, visto que o direito à vida da gestante pressupõe que a própria mulher só possui direitos porque antes ela teve o direito garantido quando ainda estava no ventre de sua genitora.

quinta-feira, 21 de abril de 2022

O indulto individual ou graça e suas consequências jurídicas no caso do deputado Daniel Silveira

 


O presente artigo trata do indulto, cuja concessão é de competência privativa constitucional do Presidente da República, conforme preceitua o art. 84, XII, da CF, bem como cuida das suas consequências jurídicas no caso do deputado Daniel Silveira.

Antes de adentrar nas consequências do indulto, convém destacar que o instituto jurídico em comento é causa de extinção da punibilidade, prevista expressamente no art. 107, II, do Código Penal, ou seja, extingue a pena do condenado, também só pode ser concedido por decreto presidencial ou por delegação e pode indicar ou não os nomes dos beneficiários, portanto, pode ser coletivo ou individual, neste caso, quando é individual também é chamado graça.

O mencionado inciso XII do art. 84, da CF, também prevê a possibilidade de comutar penas, ou seja, trocar penas mais graves por penas menos graves, neste caso, é chamado indulto parcial.

Embora o artigo 84, XII, da CF, faça menção apenas ao termo indulto, compreende-se que a graça é um indulto individual, pois a graça é concedida individualmente a uma pessoa específica, sendo que o indulto é concedido coletivamente a fatos determinados pelo Presidente da República.

É cediço que a lei ordinária não pode restringir o poder constitucional do Presidente da República de conceder indulto, haja vista o próprio STF ter fixado esse entendimento no HC 81565.

Além da previsão constitucional já mencionada, o indulto também está previsto na parte geral do Código Penal como causa de extinção da punibilidade no rol exemplificativo do art. 107, portanto, suas consequências podem acontecer em dois momentos, a saber:

1) extinção da pretensão punitiva quando a graça ou indulto individual é concedido antes de transitada em julgada a sentença condenatória, v.g., é o caso do deputado Daniel Silveira, cujo indulto individual ou graça foi concedido antes do trânsito em julgado, destarte, apaga todos os efeitos da sentença condenatória já proferida pelo STF, visto que a pena não será cumprida, nem irá gerar reincidência, nem maus antecedentes, tampouco obrigação de reparar o dano, ou seja, não resta nenhum efeito penal ou extrapenal da condenação; 2) extinção da pretensão executória quando a graça ou indulto individual é concedido depois do trânsito em julgado da sentença condenatória para ambas as partes, defesa e acusação, ou seja, quando não cabe mais recurso, mesmo assim, o condenado não irá cumprir a pena, pois apaga somente a pena, efeito principal da condenação, mas permanece os demais efeitos da condenação.

As consequências jurídicas concernentes à extinção da pretensão punitiva e à extinção da pretensão executória, acima apresentadas, são aplicadas a todas as causas extintivas da punibilidade, não somente à anistia, graça ou indulto.

Para melhor compreensão, exemplificando, no caso concreto do deputado Daniel Silveira, a graça ou indulto individual concedido pelo Chefe do Executivo Federal aconteceu antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, sendo assim, como foi concedido antes da sentença irrecorrível, ocorre a extinção da pretensão punitiva que se aplica para cessar todos os efeitos penais e extrapenais da condenação.

Ademais, no julgamento do mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5874, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade do decreto de indulto natalino de 2017 e o direito de o chefe do Poder Executivo Federal, dentro das hipóteses legais, editar decreto concedendo o benefício.

Frise-se que o Código de Processo Penal trata do processamento da graça, do indulto e da anistia no Capítulo I do Título IV, inclusive, os artigos 734 e 738 do CPP dispõem que o Presidente da República tem a faculdade de conceder a graça espontaneamente e, uma vez concedida, o juiz declarará extinta a pena ou as penas, a saber: “Art. 734.  A graça poderá ser provocada por petição do condenado, de qualquer pessoa do povo, do Conselho Penitenciário, ou do Ministério Público, ressalvada, entretanto, ao Presidente da República, a faculdade de concedê-la espontaneamente” e “Art. 738.  Concedida a graça e junta aos autos cópia do decreto, o juiz declarará extinta a pena ou penas, ou ajustará a execução aos termos do decreto, no caso de redução ou comutação de pena.” (grifo nosso)

Ante o exposto, a graça ou indulto individual concedido ao referido deputado é totalmente constitucional, assim o respectivo decreto presidencial deve ser cumprido na íntegra, uma vez que se trata de competência privativa do Presidente da República expressa na Constituição da República Federativa do Brasil, bem como é causa extintiva da punibilidade expressa no Código Penal.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

A guerra entre Rússia e Ucrânia e a competência da ONU

O presente artigo trata, resumidamente, da guerra entre Rússia e Ucrânia, da Carta das Nações Unidas e da competência do Conselho de Segurança da ONU na resolução do conflito em comento.

Desde a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945, após a 2ª guerra mundial, a Assembleia Geral da ONU se reuniu em sessão especial de emergência pela 11ª vez nesta segunda-feira, 28/02/2022, para debater o conflito entre Ucrânia e Rússia a fim de buscar o cessar fogo e garantir a paz entre as nações que estão em guerra neste momento.

É sabido que a ONU conta hoje com 193 países-membros e que a competência para a resolução do atual conflito é do Conselho de Segurança da ONU, visto que é o único órgão internacional capaz de tomar decisões obrigatórias para os 193 membros da ONU, o qual é composto por 15 países membros, sendo cinco membros permanentes, a saber: Estados Unidos, Rússia, França, Reino Unido e China; e 10 não-permanentes, os quais são eleitos anualmente para mandatos de dois anos, a saber: África do Sul (2020), Alemanha (2020), Bélgica (2020), Costa do Marfim (2019), Guiné Equatorial (2019), Indonésia (2020), Kuwait (2019), Peru (2019), Polônia (2019), República Dominicana (2020).

Destarte, percebe-se claramente que, atualmente, o Brasil não faz parte do Conselho de Segurança da ONU, embora seja signatário da Carta da ONU que é o tratado internacional que estabeleceu as Nações Unidas, o mencionado tratado foi elaborado por representantes de 50 países presentes à Conferência sobre Organização Internacional e assinado em 26 de junho de 1945.

Entretanto, as Nações Unidas passaram a existir oficialmente em 24 de outubro de 1945, após a ratificação da Carta por China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia (ex-União Soviética), bem como pela maioria dos signatários. Ressalte-se que a Ucrânia também foi membro fundador das Nações Unidas desde 1945.

A Carta da ONU é o documento mais importante da Organização, conforme previsto em seu artigo 103: “No caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas, em virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta”.

Então, tendo a Rússia ratificado o aludido tratado internacional, firmando compromisso e obrigações perante à ONU, não poderia de forma alguma invadir território estrangeiro por conta própria, deliberadamente, invadindo o país vizinho sob o pretexto de que parte da população da Ucrânia não queria fazer parte da OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte, também conhecida como Aliança Atlântica, que foi fundada em 1949 com a finalidade precípua de atuar como obstáculo à ameaça de expansão soviética na Europa, bem como os Estados Unidos têm a OTAN como um instrumento para impedir o ressurgimento de tendências nacionalistas e promover a integração política na Europa.

Porém, nesta segunda-feira, 28/02/2022, o Presidente da Ucrânia fez um pedido oficial para ingressar na União Europeia, e, consequentemente, fazer parte da OTAN, acirrando os ânimos do conflito com a Rússia.

Frise-se que, desde a origem da ONU, a Rússia e a Ucrânia são signatárias da Carta pela qual se obrigaram, com os demais países signatários, a praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos.

Sendo assim, todos os países-membros têm interesse no fim do conflito entre Rússia e Ucrânia, principalmente, os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, com exceção da Rússia que está envolvida no conflito, visto que estando a Rússia em guerra, restam apenas 04 (quatro) membros permanentes no Conselho de Segurança para deliberar sobre a resolução desse conflito, pois o Conselho é o único órgão internacional capaz de tomar decisões obrigatórias para os 193 membros da ONU, inclusive, para garantir a execução de suas decisões o Conselho de Segurança pode autorizar intervenção militar em qualquer dos 193 países-membros, o que inclui a possibilidade jurídica de intervenção militar na Rússia, caso venha ser essa a resolução do Conselho de Segurança da ONU.


terça-feira, 10 de março de 2015

INVERSÃO DE VALORES



Na atual conjuntura política, econômica, social e cultural brasileira, percebe-se uma inversão de valores desde a mudança da preferência popular pela literatura, cinema, música, dentre outras manifestações culturais, até a alteração na maneira de ver a evolução ou regressão dessa mesma sociedade por meio da alienação intencional de parte da mídia, que tem como única finalidade dominar a opinião pública, seja para auferir mais lucros, seja para manter seus interesses difusos, ou para derrubar governantes que não satisfazem os interesses particulares de alguns veículos de comunicação.

No âmbito político e econômico, a maior parte da sociedade não se interessa por estes assuntos, como se não influenciassem diretamente na vida de todos, porém nem sempre foi assim, há poucas décadas os movimentos sociais eram mais atuantes em prol do bem comum do grupo a que pertencesse determinado movimento. Sem desmerecer outros fatos históricos, foi assim no período conhecido como redemocratização em meados dos anos 80, bem como na crise econômica do início da década de 90, ocasiões em que a população participou massivamente.

Ao contrário, hodiernamente, sob alegação e pretexto de combate à pandemia da COVID-19, tanto faz aumentar o preço dos combustíveis, retornar a inflação desenfreada, criar mais impostos para sacrificar a população, suprimir direitos sociais e até individuais, diminuir o poder de compra do trabalhador, aumentar os casos de corrupção na política, mitigar a dignidade da pessoa humana, enfim, tudo pode acontecer que a sociedade continua inerte em suas casas fazendo, quiçá, algumas mobilizações isoladas em determinados lugares, o que não condiz com a insatisfação geral da população brasileira.

No tocante ao meio social e cultural, as pessoas enxergam os fatos sociais com inversão de valores, bandidos são heróis elogiados por parte da mídia e amparados pelas benesses da Lei que limita a atuação estatal no combate à criminalidade, enquanto os policiais, únicos guardiões da sociedade, são taxados de bandidos mediante críticas ferrenhas feitas por determinados veículos de comunicação. Indo mais além, há quem diga que a sociedade não precisa da Polícia.

Musicalmente, nossa cultura clássica que valorizava canções, poesias e letras bem elaboradas com lindas harmonias, as quais formavam a verdadeira MPB, vem perdendo espaço para os ritmos populares, mais conhecidos por fazer apologia ao crime, ao uso de drogas e à prostituição, com letras pejorativas e vexatórias.

Destarte, não é necessário ser sociólogo ou estudioso desta ciência, basta viver e ficar antenado nos acontecimentos do cotidiano para facilmente constatar a inversão de valores em todas as áreas sociais. É O BRASIL.

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