O
artigo em tela apresenta, resumidamente, uma contradição do complexo sistema
jurídico-penal brasileiro, cujas normas e princípios se conflitam no caso de condicionar
a confissão da prática de crime à aceitação do acordo de não persecução penal.
Preliminarmente,
convém destacar que persecução penal não é sinônimo de ação penal, pois esta começa
com o recebimento da denúncia oferecida pelo Ministério Público, visto que a
denúncia é a peça inicial necessária para deflagrar uma ação penal pública, destarte,
por óbvio, o acordo previsto no art. 28-A do Código de Processo Penal existe
justamente para evitar uma ação penal, e não a persecução penal.
Frise-se
que, caso seja aceito e cumprido o mencionado acordo pelo autor do fato, o
Ministério Público não oferecerá a denúncia, evitando-se uma ação penal, por outro
lado, a persecução penal já foi deflagrada com a investigação criminal a partir
da prática do delito, quando nasce o direito de punir para o Estado, sem falar
que a persecução penal engloba todas as fases desde a investigação até a
execução penal, então, o acordo não evita a persecução penal que já está em
andamento no ato do acordo.
Um
dos requisitos exigidos para se materializar o acordo é a confissão do autor do
fato, ou seja, mesmo que tenha exercido perante a autoridade policial o direito
ao silêncio, que pode ser exercido também perante a autoridade judicial, o autor
da infração penal deverá confessar o crime perante o representante do
Ministério Público, se quiser aceitar o acordo. Aqui está a contradição entre o
acordo sobredito e o direito constitucional ao silêncio, previsto expressamente
na Constituição e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
respectivamente, no art. 5º, LXIII: “o preso será informado de seus direitos,
entre os quais o de permanecer calado” e no art. 8. 2. g: “direito de não ser
obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”.
Perceba
que não pode uma norma hierarquicamente inferior à Constituição, no caso, o
Código de Processo Penal, condicionar a confissão da prática de um crime à
aceitação do acordo em comento, haja vista o direito de permanecer em silêncio
poder ser exercido perante o Juízo de Direito, sem nenhum prejuízo para o autor
do fato, ou seja, em uma fase mais avançada da persecução penal, que é a
audiência de instrução e julgamento, na fase judicial, o acusado pode ficar
calado e não responder as perguntas concernentes ao fato, por força do
princípio do nemo tenetur se detegere.
Ademais,
o ANPP, como é conhecido o acordo de não persecução penal, é um instituto de natureza
mista, penal e processual, que permite ao indiciado confessar o cometimento do
crime e sofrer as sanções propostas pelo Ministério Público, possibilitando,
assim, uma solução negociada no processo penal, é a chamada justiça negociada,
pela qual o investigado confessa o delito, submete-se às condições do acordo e,
após o cumprimento, tem extinta a sua punibilidade.
Ressalte-se
que o ANPP é proposto pelo Ministério Público no caso de infração penal sem
violência ou grave ameaça e com pena inferior a 4 (quatro) anos, então, se o
indiciado preencher os requisitos e quiser aceitar o acordo, tem que confessar
formal e circunstancialmente a prática do crime.
Portanto,
o complexo sistema jurídico-penal brasileiro apresenta essa contradição, pois
se o indiciado quiser aceitar o acordo proposto pelo Ministério Público, é
obrigado a confessar a prática do crime, mesmo que tenha exercido o direito ao
silêncio perante a autoridade policial.
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