quinta-feira, 7 de março de 2024

A mulher e a rede de proteção no Brasil


O artigo em tela apresenta, resumidamente, a rede nacional de proteção à mulher no Brasil.

Ao contrário do que muitos pensam, embora a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) tenha criado mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; bem como tenha trazido regras sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; alterado o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; além de outras providências, não é somente essa lei que dispõe sobre a proteção à mulher no Brasil.

O enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher se dá mediante um conjunto articulado de ações, por isso, existe a rede de proteção às mulheres que desempenha um relevante papel no combate à violência, na garantia dos seus direitos, no atendimento às mulheres em situação de violência, dentre outros meios de proteção e assistência.

Entretanto, grande parte da população brasileira desconhece a existência das seguintes instituições e serviços que formam a rede de proteção no país, a saber:

• Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAMs): são unidades da Polícia Civil que fazem ações de prevenção, apuração, investigação e indiciamento de agressores. Nessas unidades, também é possível registrar boletim de ocorrência e solicitar medidas de proteção de urgência.

• Juizados/Varas especializadas: são órgãos da Justiça com competência cível e criminal, responsáveis por processar, julgar e executar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. Suas principais funções são: julgar ações penais e aplicar medidas protetivas.

• Coordenadorias de Violência contra a Mulher: criadas por resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), são responsáveis por elaborar sugestões para o aprimoramento da estrutura do Judiciário na área do combate e prevenção da violência contra as mulheres e dar suporte aos magistrados, servidores e equipes multiprofissionais.

• Casas-Abrigo: oferecem local protegido e atendimento integral (psicossocial e jurídico) a mulheres em situação de violência doméstica (acompanhadas ou não de filhos) sob risco de morte. Elas podem permanecer nos abrigos de 90 a 180 dias.

• Casa da Mulher Brasileira: integra, no mesmo espaço, serviços especializados para os mais diversos tipos de violência contra as mulheres: acolhimento e triagem; apoio psicossocial; delegacia; juizado; Ministério Público, Defensoria Pública; promoção de autonomia econômica; cuidado das crianças – brinquedoteca; alojamento de passagem e central de transportes.

• Centros de Referência de Atendimento à Mulher: fazem acolhimento, acompanhamento psicológico e social e prestam orientação jurídica às mulheres em situação de violência.

• Órgãos da Defensoria Pública: prestam assistência jurídica integral e gratuita à população desprovida de recursos para pagar honorários de advogado e os custos de uma solicitação ou defesa em processo judicial, extrajudicial, ou de um aconselhamento jurídico.

• Serviços de Saúde Especializados para o Atendimento dos Casos de Violência Contra a Mulher: contam com equipes multidisciplinares (psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros e médicos) capacitadas para atender os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Essa rede de proteção jurídica, policial, assistencial, psicossocial, de acolhimento e de saúde para a mulher está aumentando a cada dia por todo o país, inclusive, na maioria dos municípios existe uma secretaria municipal da mulher que trabalha em conjunto de forma articulada com os demais órgãos de proteção.

Portanto, a rede de proteção está subdivida da seguinte forma: 1) rede de enfrentamento à violência contra a mulher e 2) rede de atendimento à mulher em situação de violência. Desse modo, as duas referidas redes (de enfrentamento e de atendimento) trabalham num só sentido que é proteger a mulher no Brasil, em especial, as vítimas de qualquer tipo de violência.

A Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres está ligada à atuação articulada entre instituições, serviços governamentais, não-governamentais e comunidade, desenvolvendo estratégias de prevenção e de políticas que garantam o empoderamento e a construção da autonomia das mulheres, seus direitos, a responsabilização dos agressores e a assistência qualificada às mulheres em situação de violência, cujos objetivos são efetivar os quatro eixos previstos na Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres: combate, prevenção, assistência e garantia de direitos.

Enquanto a Rede de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência é formada por um conjunto de ações e serviços de diferentes setores (assistência social, justiça, segurança pública e saúde), para ampliar, melhorar a qualidade e humanizar o atendimento, a identificação e o encaminhamento adequado das mulheres em situação de violência.

Ademais, no âmbito jurídico, na maioria das Comarcas, há Núcleos da Mulher nas Defensorias Públicas, Promotorias Especializadas, Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

Por fim, vale ressaltar os serviços denominados não-especializados porque além de atender a mulher também atende o público em geral, mas possuem a mesma relevância dos serviços especializados, pois são considerados a porta de entrada da mulher na rede, por exemplo, hospitais, serviços de atenção básica, programa saúde da família, delegacias não-especializadas, polícia militar, polícia federal, Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS).

Frise-se que qualquer pessoa pode acionar a Central de Atendimento à Mulher através do número 180.

sábado, 14 de outubro de 2023

O atual Conselho de Segurança da ONU e a guerra em Israel


O presente artigo apresenta um breve resumo sobre a atual formação do Conselho de Segurança da ONU - Organização das Nações Unidas - e sua posição concernente à guerra em Israel que foi iniciada pelo Hamas.


Antes de adentrar no tema central do trabalho em tela, convém esclarecer que o Conselho de Segurança da ONU foi criado em 1945, é considerado um dos órgãos mais importantes da Organização, responsável por manter a paz e a segurança internacionais. Para tanto, o Conselho de Segurança tem o poder de aprovar resoluções que devem ser seguidas por todos os países-membros das Nações Unidas. 


Essas resoluções são as principais espécies normativas da ONU, desde a Resolução nº 181 do ano de 1947 que pedia a divisão do território palestino em dois estados até as resoluções posteriores e demais mediações a fim de solucionar esse conflito.


O Conselho também é responsável por determinar a criação, o envio, a continuidade e o encerramento de Missões de Paz. Ademais, o Conselho de Segurança pode autorizar sanções econômicas e o uso da força. 


O Conselho de Segurança da ONU é composto por 15 membros, a saber: cinco membros permanentes: China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia, com poder de voto e veto; e um grupo de 10 membros não permanentes, com mandatos de dois anos, na atual gestão, que termina em 2023, são eles: Brasil, Albânia, Equador, Emirados Árabes, Gabão, Gana, Japão, Malta, Moçambique e Suíça.


O Brasil, na condição de membro não-permanente, assumiu a presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU em 1º de outubro de 2023 e permanecerá no cargo por um mês. O país ocupa uma das 10 vagas para membros não-permanentes, com mandato de dois anos, que se encerra no final de 2023. 


Na presidência do Conselho, o Brasil tem discutido principalmente a situação da guerra em Israel, embora membros não-permanentes sejam eleitos para mandatos de apenas dois anos e ocupem a presidência rotativa do Conselho de forma transitória somente por um mês, como acontece neste mês de outubro.


O documento apresentado pelo Brasil nessa sexta-feira, 13, condena os ataques terroristas do grupo Hamas, todavia, ainda será avaliado pelos demais membros do Conselho, pois nele há reivindicações para as duas partes envolvidas no conflito.


Destarte, até agora os demais membros do Conselho de Segurança não entraram em consenso porque a maioria considera o Hamas grupo terrorista responsável pelo início da atual guerra em Israel, assim como não concordam com algumas reivindicações propostas no texto elaborado pelo Brasil. 


As principais reivindicações são a criação de um corredor humanitário que ligue a Faixa de Gaza ao Egito e a revogação da determinação de Israel para que civis evacuem as áreas do norte de Gaza, porém, apesar de haver consenso em relação ao corredor humanitário, não houve consenso quanto às reivindicações feitas a Israel.



sexta-feira, 22 de setembro de 2023

A Lei 14.688/2023, os militares e a Lei de Crimes Hediondos

O presente artigo trata resumidamente das recentes e principais alterações introduzidas no Código Penal Militar que deixou esse diploma compatível com as normas constitucionais, regras e princípios penais comuns, e a Lei de Crimes Hediondos.
Com o advento da Lei 14.688 de 20 de setembro de 2023, que alterou o Código Penal Militar para deixá-lo compatível com a Constituição Federal, o Código Penal e a Lei de Crimes Hediondos, alguns crimes que já eram considerados hediondos ou equiparados a hediondos para todos os civis, mas não tinham essa natureza hedionda para os militares, passaram a receber o mesmo tratamento com todas as consequências e o rigor da Lei 8.072/90.
Essa diferença de tratamento entre crime comum e crime militar chegou a ser questionada no Supremo Tribunal Federal, que à época decidiu não haver inconstitucionalidade nessa discrepância, sob o argumento de que o Código Penal Militar já previa um tratamento mais rigoroso do que o Código Penal comum.
O legislador, por sua vez, não conformado com esse tratamento diferenciado, criou a nova lei em comento, que é considerada novatio legis in pejus (nova lei prejudicial ao réu), portanto, não pode retroagir para prejudicar os militares que já respondem processos em andamento, só podendo ser aplicada aos casos que vierem a ocorrer após a sua vigência, pois essa nova lei tem vacatio de 60 dias.
Delitos como homicídio qualificado, latrocínio, extorsão qualificada pela morte, extorsão mediante sequestro, estupro, dentre outros, todos previstos no Código Penal Militar, não eram considerados hediondos nem equiparados a hediondos. 
Porém, com a vigência da nova lei, os referidos delitos e outros equiparados a hediondos passarão a sofrer as consequências da Lei de Crimes Hediondos, conforme o art. 1⁰, parágrafo único, inciso VI, da Lei 8.072/1990, a saber:
"Art. 1⁰ São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados: (...)
Parágrafo único. ...........................................................
VI – os crimes previstos no Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), que apresentem identidade com os crimes previstos no art. 1º desta Lei.”
Destarte, a nova Lei 14.688/2023 entra em vigor após decorridos 60 (sessenta) dias de sua publicação no Diário Oficial da União que ocorreu nessa quinta-feira, 21/09/2023, portanto, terá vigência a partir de 21/11/2023.

segunda-feira, 10 de julho de 2023

TIPOS PENAIS CRIADOS POR LEI COMPLEMENTAR

 


Preliminarmente, convém salientar que, apesar de a doutrina ensinar que apenas em caráter excepcional a lei complementar pode criar infrações penais e cominar sanções no Brasil, sob o argumento de que, em regra, somente a lei ordinária pode criar tipo penal incriminador em razão do princípio da reserva legal.

Por outro lado, o ordenamento jurídico vigente aceita tranquilamente a criação de crimes por lei complementar porque o processo legislativo para elaboração desta é mais rigoroso do que para lei ordinária, visto que a lei complementar exige qúorum mais qualificado para ser aprovada.

Ademais, não podem criar tipo penal incriminador os tratados internacionais ou convenções, a Constituição Federal, nem as demais espécies legislativas infraconstitucionais, apenas a lei ordinária e a lei complementar têm esse papel.

Embora outras espécies normativas possam tratar de matéria penal em benefício do réu, não podem criar infrações penais, cominar ou agravar sanções, entretanto, até a presente data, alguns tipos penais entraram no ordenamento jurídico pátrio mediante lei complementar.

O primeiro está previsto no art. 25 da LC nº 64/90, chamada de Lei da Inelegibilidade, a saber:

“Art. 25. Constitui crime eleitoral a argüição de inelegibilidade, ou a impugnação de registro de candidato feito por interferência do poder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade, deduzida de forma temerária ou de manifesta má-fé:

Pena: detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa de 20 (vinte) a 50 (cinqüenta) vezes o valor do Bônus do Tesouro Nacional (BTN) e, no caso de sua extinção, de título público que o substitua.”

Esse crime deveria estar, topograficamente, situado no Código Eleitoral, mas enquanto não for revogado por outra lei, continuará vigente.

Saliente-se que a doutrina aponta também a LC nº 101/2000, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, como outra que criou crimes, a qual, embora não traga os preceitos secundários (penas), o seu art. 73 dispõe o seguinte:

“As infrações dos dispositivos desta Lei Complementar serão punidas segundo o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); a Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950; o Decreto-Lei no 201, de 27 de fevereiro de 1967; a Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992; e demais normas da legislação pertinente.”

Portanto, conclui-se que são raríssimos os casos em que o Parlamento brasileiro usou lei complementar para criar infrações penais e cominar penas, apesar de que não há nenhum óbice legal ou constitucional, pois o princípio da reserva legal exige apenas lei em sentido estrito, nesse caso, pode ser lei ordinária ou lei complementar.

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domingo, 7 de maio de 2023

A contradição entre o direito ao silêncio e a aceitação do acordo de não persecução penal

 


O artigo em tela apresenta, resumidamente, uma contradição do complexo sistema jurídico-penal brasileiro, cujas normas e princípios se conflitam no caso de condicionar a confissão da prática de crime à aceitação do acordo de não persecução penal.

Preliminarmente, convém destacar que persecução penal não é sinônimo de ação penal, pois esta começa com o recebimento da denúncia oferecida pelo Ministério Público, visto que a denúncia é a peça inicial necessária para deflagrar uma ação penal pública, destarte, por óbvio, o acordo previsto no art. 28-A do Código de Processo Penal existe justamente para evitar uma ação penal, e não a persecução penal.

Frise-se que, caso seja aceito e cumprido o mencionado acordo pelo autor do fato, o Ministério Público não oferecerá a denúncia, evitando-se uma ação penal, por outro lado, a persecução penal já foi deflagrada com a investigação criminal a partir da prática do delito, quando nasce o direito de punir para o Estado, sem falar que a persecução penal engloba todas as fases desde a investigação até a execução penal, então, o acordo não evita a persecução penal que já está em andamento no ato do acordo.

Um dos requisitos exigidos para se materializar o acordo é a confissão do autor do fato, ou seja, mesmo que tenha exercido perante a autoridade policial o direito ao silêncio, que pode ser exercido também perante a autoridade judicial, o autor da infração penal deverá confessar o crime perante o representante do Ministério Público, se quiser aceitar o acordo. Aqui está a contradição entre o acordo sobredito e o direito constitucional ao silêncio, previsto expressamente na Constituição e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, respectivamente, no art. 5º, LXIII: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado” e no art. 8. 2. g: “direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”.

Perceba que não pode uma norma hierarquicamente inferior à Constituição, no caso, o Código de Processo Penal, condicionar a confissão da prática de um crime à aceitação do acordo em comento, haja vista o direito de permanecer em silêncio poder ser exercido perante o Juízo de Direito, sem nenhum prejuízo para o autor do fato, ou seja, em uma fase mais avançada da persecução penal, que é a audiência de instrução e julgamento, na fase judicial, o acusado pode ficar calado e não responder as perguntas concernentes ao fato, por força do princípio do nemo tenetur se detegere.

Ademais, o ANPP, como é conhecido o acordo de não persecução penal, é um instituto de natureza mista, penal e processual, que permite ao indiciado confessar o cometimento do crime e sofrer as sanções propostas pelo Ministério Público, possibilitando, assim, uma solução negociada no processo penal, é a chamada justiça negociada, pela qual o investigado confessa o delito, submete-se às condições do acordo e, após o cumprimento, tem extinta a sua punibilidade.

Ressalte-se que o ANPP é proposto pelo Ministério Público no caso de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena inferior a 4 (quatro) anos, então, se o indiciado preencher os requisitos e quiser aceitar o acordo, tem que confessar formal e circunstancialmente a prática do crime.

Portanto, o complexo sistema jurídico-penal brasileiro apresenta essa contradição, pois se o indiciado quiser aceitar o acordo proposto pelo Ministério Público, é obrigado a confessar a prática do crime, mesmo que tenha exercido o direito ao silêncio perante a autoridade policial.

segunda-feira, 27 de março de 2023

A investigação criminal não é perseguição, ela é um meio de fazer justiça

 


O artigo em tela traz, resumidamente, o motivo pelo qual a investigação criminal é uma forma de fazer justiça e não de perseguir criminosos, pois é na fase de investigação que se pode concluir pelo não indiciamento da pessoa suspeita da prática de infração penal.

Preliminarmente, convém destacar que embora o ato de indiciamento seja privativo da autoridade policial, ou seja, do delegado de polícia, outros órgãos de persecução penal também podem investigar e encaminhar as peças de informação ao Ministério Público, que as analisará tecnicamente e, a depender de cada caso, poderá promover o arquivamento, requisitar novas diligências ou oferecer a denúncia.

Percebam que as investigações criminais realizadas diretamente pelo Ministério Público ou, por exemplo, por uma Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, não podem exercer o ato do indiciamento, não podem indiciar pessoas, mas estando essas investigações nas mãos do representante do Ministério Público, ele pode oferecer diretamente a denúncia ao Poder Judiciário.

Fala-se muito em persecução penal que, literalmente, significa perseguir, entretanto, a finalidade não é perseguir, e sim, fazer justiça, pois veja que na fase de investigação o delegado, o MP ou uma CPI podem concluir que a pessoa suspeita não é responsável pelo fato objeto da investigação, portanto, não se investiga o suspeito, investiga-se o fato, posto que o ordenamento jurídico penal brasileiro adotou o direito penal do fato, e não do autor.

Por outro lado, se o delegado de polícia, o representante do MP, uma CPI ou até o oficial militar que preside um IPM – Inquérito Policial Militar, concluir que a pessoa suspeita é responsável pelo fato investigado, havendo elementos informativos suficientes de autoria e prova da materialidade, o Ministério Público oferecerá a denúncia que, quando recebida pelo magistrado, inicia-se a ação penal, ou seja, o processo em sentido estrito que deve seguir todos os ritos peculiares de cada caso, conforme a legislação pertinente.

Portanto, verifica-se que é na fase de investigação que ocorre a primeira oportunidade de constatar se a pessoa suspeita é inocente ou não, fazendo justiça antes de remeter o procedimento investigativo ao Judiciário ou ao Ministério Público, sem falar que também na fase processual a pessoa suspeita pode ser considerada inocente por diversos fatores no crivo do contraditório e da ampla defesa ou até exercendo a plenitude de defesa nos casos de júri popular.

Ante o exposto, percebe-se claramente a importância de as pessoas suspeitas comparecerem a todos os atos para os quais forem intimadas na fase de investigação, pois é a primeira oportunidade de analisar sua inocência ou sua culpabilidade, ademais, a chamada persecução penal não acaba com a condenação, pois ainda existe a fase de execução ou de cumprimento da sentença condenatória, que deve ser garantida pela Polícia Penal nos estabelecimentos prisionais em se tratando de privação da liberdade, mas quando a pena é restritiva de direito ou de multa cabe ao próprio condenado e ao judiciário comprovar o cumprimento.

Por fim, repita-se que comprovada a inocência na fase de investigação, certamente, o Ministério Público promoverá o arquivamento do feito ou requisitará novas diligências antes de oferecer a denúncia, justamente para evitar denunciar alguém sem elementos informativos suficientes, por isso, a investigação criminal é um meio de fazer justiça no início da persecução penal.

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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

O caso do jogador Robinho não é caso de intraterritorialidade

 


O presente artigo jurídico traz, em suma, a hipótese de homologação de sentença estrangeira para cumprimento no Brasil e a não aplicação do fenômeno da intraterritorialidade no caso do jogador Robinho.

Vale lembrar que a intraterritorialidade ocorre quando a lei estrangeira é aplicada a fato cometido no território brasileiro, ou seja, aplicam-se normas internacionais a fatos praticados dentro do Brasil.

A intraterritorialidade consiste em exceções ao princípio da territorialidade, pois o Código Penal Brasileiro adota a territorialidade temperada, então, essas exceções não se encontram no ordenamento jurídico pátrio, mas estão previstas em convenções, tratados e regras de direito internacional firmados pelo Brasil. Todavia, há dois casos clássicos que são a imunidade diplomática e o TPI, a saber:

A imunidade diplomática consiste numa prerrogativa que assegura imunidade para crimes de qualquer natureza cometidos no Brasil, cujo agente diplomático (autor do crime) responderá de acordo com as leis de seu país de origem. Essa imunidade é garantida pela Convenção de Viena, da qual o Brasil é signatário.

O Tribunal Penal Internacional (TPI) é uma corte independente e permanente que julga pessoas acusadas de crimes mais graves de interesse internacional, como por exemplo, genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra.

Por outro lado, no caso do jogador Robinho, não há que se falar em intraterritorialidade, ou seja, não está sendo aplicada a lei italiana a fato ocorrido no Brasil, e sim, a lei italiana foi aplicada a fato ocorrido na própria Itália.

O que se está discutindo é a possibilidade de homologação da sentença condenatória estrangeira para ser cumprida pelo jogador no território brasileiro, haja vista o Brasil não admitir, em regra, a extradição de brasileiro nato.

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 5º, inciso LI, dispõe que: “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”; portanto, apenas o brasileiro naturalizado pode ser extraditado.

Já o Código Penal Brasileiro, em seu art. 9º, traz as possibilidades de homologação de sentença estrangeira para cumprimento no Brasil, entretanto, NÃO FALA EM CUMPRIMENTO DE PENA DE PRISÃO, a saber: “A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas consequências, pode ser homologada no Brasil para: I - obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis; II - sujeitá-lo a medida de segurança. Parágrafo único - A homologação depende: a) para os efeitos previstos no inciso I, de pedido da parte interessada; b) para os outros efeitos, da existência de tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça.”

Destarte, não há previsão no ordenamento jurídico brasileiro de cumprimento de sentença estrangeira condenatória à pena de prisão, contudo, o Ministério Público Federal não viu nenhum impedimento para que o ex-jogador Robinho cumpra no Brasil a pena de prisão pela condenação da justiça italiana por estupro ocorrido na Itália.

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